terça-feira, 20 de agosto de 2019

Peter Mallmann Primeiro Professor Paroquial de Santa Clara do Sul


A vida do Professor Peter Mallmann

“Quando nosso coração se volta aos nossos antepassados, algo muda dentro de nós. Sentimos que fazemos parte de algo que é maior que nós mesmos.”
Russel M. Nelson
Foto Professor Peter Mallmann.
Arquivo do Autor.

Já me peguei varias vezes pensando sobre a história de vida do meu trisavô Peter Mallmann, me fazendo questionamentos sobre ele, talvez por me sentir com um perfil parecido com o seu, e ter apresso e orgulho do que ele viveu e foi. A história de sua vida começa na Alemanha, na região do Hunsrick, banhado pelo rio Reno, quase na metade do século 19. 
Johann Peter Mallmann e sua esposa Elisabeth Adams eram um casal de agricultores moradores de Blankenrath, na Alemanha, estavam esperando seu segundo filho, aos 08 de abril de 1848 nasceu meu trisavô, ao qual foi batizado com o nome de Peter. O pequeno Peter já tinha um irmãozinho chamado Johann Peter, mais tarde nasceu mais o irmão, Christian e três irmãs, Angela, Anna Maria e Anna. Peter foi crescendo, sabe-se que fez estudos superiores, deve ter também aprendido música e canto na mesma época.

Cena de agricultores alemães do trailer do filme Die andere Heimat - Chronik einer Sehnsucht de Edgar Reitz.


A Alemanha estava passando por um período muito difícil, principalmente para as pobres famílias de agricultores, muitas já tinham imigrado para o Brasil, a oferta era grande e tentadora. Peter estava com 16 anos quando a família decide deixar sua terra natal para imigrar para o Brasil. Quão difícil deve ter sido esta decisão, abandonar seus familiares, sua terra natal, culturas, tradições, rumo a um “mundo novo”. Mas a esperança de mudar e melhorar de vida estava presente em seus corações para terem tomado esta decisão. Começava uma grande viagem, de carroça e a pé, até o porto e mais aproximadamente três meses no navio em alto mar. O navio veleiro possuía três mastros, andava com a força do vento, que provocava fortes ondas e fazia o navio balançar. Nesta viajem Peter perdeu seu irmão Christian, que como os outros que faleciam eram jogados ao mar. Viagem sacrificada num navio em alto mar, passando por tempestades, todo este tempo sem conforto, com mais dezenas de pessoas em busca de uma vida melhor.
Em 13 de março de 1863 a família chega a Dois Irmãos, onde ficaram morando. Devem ter ficado fascinados com as matas, os animais e principalmente com a terra fértil. Foi um recomeço sofrido para a família, mas diante de uma outra realidade. Já aqui no Brasil nasceu mais um irmãozinho de Peter em 1867 ao qual foi batizado de João.
Peter conheceu a jovem Maria Magdalena Reinbüchler, filha de Jacob Reinbüchler e Elisabetha Wemann. Pedindo a em casamento, casou-se com ela no dia 10 de agosto de 1869, na Capela São Francisco Xavier em Bugersberg (Monte dos Bugres) atualmente Santa Maria do Herval.

Registro de Casamento de Peter Mallamnn e Maria Magdalena Reinbuchler.
Fonte: "Brasil, Rio Grande do Sul, Registros da Igreja Católica, 1738-1952,Dois Irmãos; 

Capela de São Francisco Xavier - Burgerberg - atual cidade de Santa Maria do Herval.
Foto exposta no monumento  aos 1°s associados da Capela São Francisco Xavier – 1849.
Fonte: Eduardo Daniel Schneider.

Em 1871 os pais de Peter tiveram mais uma filha, nascia a irmã mais nova de Peter, batizada como Elisabetha. O trisavô Peter, começou a ministrar aulas nas pequenas escolas, lecionou durante 4 anos no Jamertal, hoje Dois Irmãos, após mais 3 anos em Linha Bonita, Monte Negro.
Peter Mallmann e Maria Magdalena Reinbuchler tiveram 11 filhos:

Maria Magdalena Reinbuchler e Peter Mallmann.
Fonte: Arquivo pessoal do Autor.

1-Pedro Mallmann
2-Felipe Mallmann
3-Jacob Mallmann
4-João Mallmann
5-José Mallmann
6-Catarina Mallmann
7-Nicolau Mallmann
8-Francisco Xavier Mallmann
9-Ignacio Mallmann
10-Maria Magdalena Mallmann
11-Veronica Mallmann

Em 1882 o trisavô Peter a Trisavó Maria Magdalena mudaram-se para a então Picada de Santa Clara, hoje município de Santa Clara do Sul, onde o trisavô chamado em alemão de Pitter Hannes, assumiu a direção da nova capela/escola recémconstruída, sendo o Primeiro Professor Paroquial de Santa Clara do Sul, citado no Álbum Jubilar do Padre Alberto Träsel, a trisavó por sua bondade era chamada pelos familiares em alemão de “leib Malin”

Imagem 3D da primeira capela de Santa Clara do Sul, onde Peter Mallmann lecionou

O trisavô passou também a exercer o cargo de Sacristão, tocava o órgão nas celebrações da capela e era dirigente do coro. Aqui em Santa Clara do Sul residia na curva do travessão (rua) que segue em direção a nova Santa Cruz, hoje a casa enxaimel está no Parque Histórico de Lajeado.

A vida do professor naquela época era muito difícil, uma comunidade de colonos muito humildes, o salário do professor era muito pequeno. O trisavô e o filho mais velho aprenderam com outra família a cultivar o tabaco, para ajudar a melhorar a condição de vida, que não estava tão boa. A missão do Primeiro Professor de Santa Clara d Sul era bem maior que apenas lecionar, recebendo tão pouco para o sustento da família, foi obrigado a buscar uma alternativa, não deixando a comunidade e o magistério de lado, me parece que foi muito empenhado e realmente fazia o que gostava, ensinar as pequeninas crianças, filhos dos humildes colonos ler e escrever.

Casa onde a família do trisavô Professor Peter Mallmann morou em Santa Clara do Sul, hoje localiza-se no parque Histórico de Lajeado RS.
Fonte: Arquivo do Autor.

Em 1895 no último ano da Revolução Federalista , o grupo dos maragatos de Zeca Ferreira ameaçava invadir o centro da Picada de Santa Clara, a picada estava em alerta. A família do trisavô passou pelo tormento dessa invasão, assim como as outras mulheres a trisavó Malin teve que se esconder com as crianças na mata, hoje a comunidade de Santa Clara do Sul não tem ideia dos momentos de medo que as famílias viveram naquela época, mas deixaram um grande legado, nunca abandonaram sua coragem e sua fé. No dia 28 de maio de 1895 ao raiar do sol os maragatos tentaram a invasão, o trisavô Pitter Hanes foi um dos 50 combatentes Santa-Clarenses que heroicamente rechaçaram os Maragatos, naquele dia.
Em 1896 foi concedida a licença eclesiástica ao coral do Professor Peter Mallmann, os quais fundaram a "União Santa Cecília", na qual se inscreveram 60 homens e jovens, onde o melhor tenor do coro era Miguel Ruchel Sobrinho, o coral existe até hoje, com denominação de Coral São Francisco, é uma das grandes heranças do trisavô para a comunidade. O trisavô em meio as dificuldades da época foi professor durante 17 anos, alfabetizando e instruindo muitas crianças, certa vez teve 53 alunos em sua sala de aula.

Foto Professor Peter Mallmann com seus 53 alunos em frente a primeira capela escola de Santa Clara do Sul.
Fonte: Album Jubilar  de Santa Clara do Sul.

No ano de 1898 o trisavô Peter e a trisavó Maria Magdalena mudaram-se para Lajeado, onde  Peter adoeceu dos pulmões e faleceu no dia 01 de Janeiro de 1902, com 52 anos, foi sepultado no cemitério católico em Lajeado.

Registro de Óbito de Peter Mallmann.
Brasil, Rio Grande do Sul, Registros Igreja Catolica , 1738-1952, Paróquia Santo Inácio de Lajeado.

Ali partia para a eternidade, para mim, o grande trisavô Peter Mallmann, Pitter Hannes como era chamado, deixou um grande legado e exemplo comunitário para toda família Mallmann, inspiração para nós nos dias de hoje que muitas vezes passamos por momentos difíceis, mas sempre devemos buscar novas alternativas, não desistindo de nossos ideais. Uma vida sofrida mas com certeza com muitas alegrias deixando a descendência de uma família numerosa espalhada por todo Brasil e outros países.

Todesanzeige – agradecimento da esposa enlutada de Peter Mallmann.
Fonte: Acervo Benno Lermen, Instituto Anchietano de Pesquisas
Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS.

Após o trisavô Pitter Hannes falecer a trisavó Malin foi morar na casa do bisavôJosé Mallmann e bisavó Cataria Friedrich, em São Bento Lajeado. Em dezembro de 1924 a trisavó Malin adoeceu, depois de oito dias acamada na manha do Natal, 25 de Dezembro de 1924 faleceu, foi sepultada no cemitério católico de São Bento Lajeado.


“Nossos antepassados seguem vivendo em nós, e através de nós querem realizar algo que dará a eles e a nós, paz.”
Bert Helinger.


Trata-se do sentimento de quem honra seus antepassados, tem os como exemplos, estuda genealogia. Hoje participo do Coral São Francisco criado na década de 1880, pelo trisavô Peter Mallmann, em minha casa tenho um quadro com sua foto ao lado da foto da trisavó Maria Magdalena, preservando assim sua história de vida escrevi nesta publicação.

Vídeo do Coral São Francisco, sob regência de Silvestre Bourscheidt, canto do Glória Missa de Natal 2018.



Fontes de Pesquisa:
TRÄSEL, Padre Alberto. Álbum Jubilar de Santa Clara do Sul. Jornal da Comemoração do Centenário Santa-clarense, Impresso. Santa Clara do Sul, 1969

MALLMANN, Padre Lodomilo Augusto Mallmann. A Origem da Família Mallmann. Editora não informada. 1994.


Agradecimento póstumo ao Padre Alberto Träsel, Pedro Canisio Mallmann, Orestes Mallmann, e Eduardo Daniel Schneider.
Rafael Henrique Lenhard, nasci em 19 de Dezembro de 1994, em Santa Clara do Sul RS. Sou formado como Bacharel em Administração pela Universidade Norte do Paraná. Pesquiso a genealogia de famílias alemãs desde 2008.

Se tiver alguma contribuição ou correção  para fazer, estarei a disposição, contate pelo facebook, ou e-mail rafaelhelenhard@gmail.com, não esqueça de me seguir para acompanhar as publicações.

sexta-feira, 12 de julho de 2019

Antigo Cemitério de Santa Clara do Sul (1875-1921)

Atual cemitério católico de Santa Clara do Sul/RS

Antigo Cemitério de Santa Clara do Sul (1875-1921)



O uso de qualquer parte desta pesquisa pode ser utilizada devendo ser referenciada! Valorize a nossa pesquisa! 
Pedimos que se você tenha informações novas ou fotos do local, entre em contato conosco. Nosso contato está no fim da postagem! Sua colaboração é de extrema importância!

Homenagem e agradecimento ao Padre Alberto Träsel que sempre buscou manter viva a história dos nossos antepassados e de Santa Clara do Sul/RS.

Termos utilizados:
Geb: Geboren, termo alemão utilizado para “nascida”, sobrenome de solteira;
*: nascimento;
+: falecimento.

Introdução


Essa pesquisa visa trazer a história do antigo cemitério de Santa Clara do Sul /RS, esclarecer fatos e manter viva a memória dos nossos antepassados que ali tinham sua última morada.
Para se ter uma correta compreensão do início do cemitério, da sua criação, da sua manutenção e de sua posterior demolição, é necessário compreender o cenário histórico e cultural no qual a comunidade Santa-clarense se inseria. 

O início de Santa Clara do Sul, a criação do cemitério e o seu abandono


A partir da lei de terras (1850) começou o investimento privado e a colonização de longas faixas de terras por empresas privadas na Província de São Pedro (atual Rio Grande do Sul). Santa Clara do Sul foi resultado de um investimento do colonizador Antônio Fialho de Vargas. Em homenagem a sua filha irmã Clara, Fialho deu o nome da fazenda de matas virgens de "Fazenda Santa Clara". A compra foi feita no ano de 1853 e a colonização iniciou em 1869.
A vida no começo da nova colonia de Santa Clara era muito difícil. As primeiras famílias que chegaram em 1869 encontraram apenas mata atlântica virgem, era necessário desmatar árvores centenárias antes de iniciar qualquer cultivo ou criação. 
Como em todas as novas colonias, as mortes precoces eram comuns. Doenças que hoje são resolvidas facilmente, como a desinteria, matavam dezenas de crianças e adultos. Com isso, iniciava-se um novo problema, onde sepultar?
Existem relatos em outras colonias que devido ao isolamento, os colonos por falta de local adequado para o sepultamento, enterravam seus entes queridos na sua propriedade de terras, pois o acesso aos cemitérios mais próximos eram precários e levavam as vezes dias para chegar ao local. Com Santa Clara do Sul não foi diferente, o cemitério surgiu da necessidade dos novos colonos de enterrar seus entes queridos.
Não se sabe efetivamente quem foi o primeiro sepultado no cemitério católico de Santa Clara do Sul e nem como e quem o criou. O primeiro registro de um sepultamento no cemitério é de Elisabeth Riedel, falecida em 08 abril de 1875 com 2 anos de idade. O cemitério apenas se tornou oficialmente campo santo em 03 de dezembro de 1888, onde ocorreu a benção solene do cemitério de Santa Clara do Sul, na presença de muitos fiéis.
Primeiro registro encontrado que cita o cemitério de Santa Clara do Sul (Picada Santa Clara).
Fonte: "Brasil, Rio Grande do Sul, Registros da Igreja Católica, 1738-1952,"
 Estrela > Santo Antônio > Óbitos 1873, Set-1915, Jul. Paróquias Católicas, Rio Grande do Sul.

Desde de o início da colonização de Santa Clara do Sul, em 1869, até o primeiro registro encontrado o qual cita o cemitério são passados 6 anos. Provavelmente o mesmo foi criado anteriormente ao primeiro registro de 1875, pois o cemitério já é citado, indicando sua existência.
O antigo cemitério funcionou até o ano de 1921, quando ,por necessidade de mais espaço, foi doado para a paróquia um novo terreno para construção de um novo cemitério. Esse cemitério ainda funciona até os dias de hoje. O primeiro sepultado do novo cemitério foi Jacob Olbermanm em novembro de 1921. A partir dessa data, todos os novos sepultamentos foram feitos no novo cemitério.
Com o passar dos anos, muitas das antigas famílias de Santa Clara do Sul migraram para as novas colonias. Cada vez mais as gerações se distanciaram dos sepultados no primeiro cemitério. Isso ocasionou um abandono destas antigas lápides que lá se encontravam. Enquanto novo cemitério era visitado regularmente e mantido limpo, o antigo poucas vezes era roçado e vinha se tornando um problema para a paróquia pela sua proximidade da igreja.

Primeira sepultura do novo cemitério
Jacob Olbermanm, novembro de 1921
Fonte: foto dos autores

Primeira sepultura do novo cemitério
Jacob Olbermanm, novembro de 1921
Fonte: foto dos autores

A demolição do antigo cemitério de Santa Clara/RS e a construção do salão paroquial


A comunidade de Santa Clara prosperava. O salão comunitário que ficava a esquerda da imponente igreja já não era mais suficiente para comportar a população católica em suas festas. Estimulados pelas recentes melhorias da entrada da igreja (1941) e da reforma da própria igreja em  29 de novembro de 1950, a comunidade vislumbrava um novo salão paroquial.

Foto do arco e a imponente escadaria de pedras construídas em 1941
Fonte: Foto do Álbum Jubilar de Santa Clara do Sul, Träsel 1969

Foto da reforma da Igreja São Francisco Xavier de Santa Clara do Sul/RS
Ano de 1951.
Fonte: Foto do Álbum Jubilar de Santa Clara do Sul, Träsel 1969

O local para a construção do novo e maior salão de bailes era restrito, havia muito pouco espaço. O local do antigo não era grande o suficiente. Segundo Träsel, o Arcebispo de Porto Alegre Dom Vicente Scherrer então insistiu que o salão fosse edificado no local do velho cemitério. O mesmo pedido foi reforçado por Dom Alberto Etges, bispo da nova Diocese de Santa Cruz, recentemente criada. O movimento e as reuniões começaram com o padre Davi Groth (pároco de Santa Clara do Sul de 1941-1956). Seu sucessor padre João Kreutz (pároco de Santa Clara do Sul de 1957 a 1982), continuou com a missão de transformar o antigo, e parcialmente abandonado cemitério, no local do novo salão. Tão logo foi tomada a decisão e aprovada pela comunidade, começaram preparativos para a construção do novo salão paroquial.

Foto da Igreja São Francisco Xavier de Santa Clara do Sul/RS
Do lado esquerdo podemos ver o antigo cemitério e do lado direito o antigo salão de bailes.
Usando a Igreja como comparação, podemos notar inúmeras lápides de tamanho considerável.
Apenas nesta foto parcial foram contadas mais de 30 sepulturas visíveis.
Fonte: Foto do Álbum Jubilar de Santa Clara do Sul, Träsel 1969

Segundo entrevistas feitas com moradores mais antigos de Santa Clara do Sul, o pároco deu um prazo para que as famílias fizessem a transferência dos seus entes queridos, sendo que os prazos foram prorrogados algumas vezes até a chegada da licença de remoção do cemitério. Enquanto isso, era organizada a compra de materiais e eram levantados fundos para a construção do novo salão paroquial.
Com o prazo findado e a autorização em mãos, não foi autorizada mais nenhuma transferência. Algumas pessoas ainda fizeram pedido, o qual foi negado pelo pároco, que alegou que havia um prazo para a transferência e esse prazo teria acabado.
O primeiro passo foi a remoção das grandes pedras das sepulturas. Em algumas foi necessário a ajuda de vários homens para a remoção e tombamento das mesmas. Se utilizando da topografia do local, elas foram "roladas" para a parte mais baixa, junto do que é hoje a Avenida 28 de Maio, onde foram embarcadas em um caminhão e levadas para um local ainda desconhecido.
Após terminada a remoção das lápides, foi contratada uma patrola de Lajeado para fazer a terraplanagem do local.  Existem algumas histórias sobre o começo da terraplanagem.
Uma das máquinas que fazia a limpeza e terraplanagem da área afundou em uma das sepulturas e segundo relatos parte de um antigo caixão se projetou para fora da sepultura. Após notar que se tratava de um antigo cemitério o operador da máquina se recusou a continuar o trabalho e abandonou o local. Foram encontradas inúmeras ossadas as quais eram recolhidas e colocadas em uma caixa de madeira.
Com o terreno terraplanado, iniciou-se a construção do novo salão. Segundo Träsel a data exata do início da construção foi 15 de março de 1961. Os responsáveis pela construção foi a equipe do senhor Beno Scheid de Arroio do Meio. Entre os voluntários da construção, temos o senhor Astor Weiler e o senhor Lauro Anshau, ambos entrevistados pelos autores.
Segundo Astor, os alicerces do salão foram construídos todos a mão, cavando-se a terra com pás e picaretas. Ele relatou que o pároco João acompanhava tudo e alertava que se encontrasse uma região de terras mais macias, provavelmente estariam em uma cova. Weiler nos narrou em alemão, o qual traduzimos aqui, sobre uma sepultura que ele encontrou:

"O fundamentos tivemos que fazer usando picaretas e pás. O padre João Kreutz era o pároco naquela época, ele nos falou que se cavarmos e achar um local que a terra estiver macia podia ter um túmulo e alguém poderia ainda estar 'deitado' (sepultado). Eu ia cavocando com a minha picareta e meu companheiro me ajudava, uma hora achei um local macio e comecei a fazer (cavar) bem devagar. Peguei uma pá e uma hora cheguei num caixão. Ele era feito de uma madeira resistente, em alguns lugares ele estava meio estragado. Eu usei minha pá e abri, estava um homem deitado dentro e ele tinha todos os dedos ainda inteiros e um belo anel, uma aliança bem grossa. O padre João nos avisou que se achasse algo era para chamar ele, mas o homem ainda estava inteiro!"

Weiler ainda nos narrou o cuidado que o pároco João teve com os sepultados que foram encontrados:
"Eles mandaram fazer umas caixas especiais, para colocar todas as coisas dentro (restos mortais) com respeito. Eles colocaram tudo nessa caixa, inclusive o anel."

O senhor Lauro Anshau também participou de toda construção do salão paroquial. Ele nos relatou que durante a terraplanagem foram encontrados vários restos mortais. Questionado a quantidade de pessoas que estavam enterradas e o porque a maioria das pessoas não foi transferida, ele nos relatou em alemão, trecho que foi traduzido aqui: 

"Eu não sei dizer quantos estavam enterrados, mas era muita gente, era o primeiro cemitério. Eles precisaram de uma licença para tirar. Eles não tiraram todos, muitos não tinham mais família aqui e esses ficaram. Eu tenho um tio e uma tia que ainda estão deitados (sepultados) onde hoje ficam as escadas, ficaram muitos ainda."

Ficou claro, tanto na entrevista com o senhor Lauro Anshau e o senhor Astor Weiler que a igreja se preocupou em dar um prazo para a transferência, a qual foi renovada várias vezes e que a comunidade aprovou o local do novo salão.
Fizemos uma tentativa para contabilizar os falecidos transferidos, mas até o momento foram identificados apenas 14 transferidos. Esse número é muito baixo. O que dificulta ainda mais na identificação dos transferidos são as transferências de restos mortais para o novo cemitério colocados em sepulturas da família, sem qualquer identificação.
Na época, comunidade santa-clarense não fazia ideia da grande perda cultural e histórica que estava tendo simplesmente retirando o velho cemitério. Os tempos eram outros, os moradores de Santa Clara do Sul não tinham a consciência cultural do que o velho cemitério poderia representar para a história da comunidade, por isso não se preocuparam em preservá-lo. Muitos que ali jaziam, eram os fundadores e co-fundadores da própria comunidade santa-clarense, por isso, não encontramos respostas para a decisão tomada.


Lista das pessoas sepultadas no antigo cemitério católico de Santa Clara do Sul/RS


Não se sabe ao certo quantas pessoas estavam sepultadas no antigo cemitério de Santa Clara do Sul, porém, através de algumas fotos parciais e relatos de antigos moradores que conheceram o antigo cemitério de Santa Clara do Sul, sabemos que o mesmo abrigava mais de uma centena de sepulturas. Para confirmar a informação, fomos aos registros católico e cível do período. Ao total foram encontrados 155 registros de pessoas sepultadas no antigo cemitério. 
Estimamos que esse número ainda seja maior, pois nos primórdios de Santa Clara do Sul, a comunidade não recebia nenhuma visita de padres ou qualquer outra assistência espiritual, também muitos sepultados nem receberam sepultura, principalmente no início da colonização. Por consequência, presumimos que muitos falecimentos nem foram registrados, principalmente de inocentes, pois a mortalidade infantil era alta naquela época.


Segue a lista dos sepultados no antigo cemitério Católico de Santa Clara do Sul: 

1-Elisabeth Riedel
+ 08.04.1875 2 anos

2-Barbara Schafer
+29.05.1875 30 anos

3-Maria Francisca Schaefer
+10.11.1879 3 meses 

O bispo Dom Sebastião concedeu provisão ao P. Vigário, no dia 20 de julho de 1880 para bênção da pedra fundamental da capela-escola de São Francisco Xavier  e o cemitério.


4-Florentina Ruwer
+12.02.1882 4 anos

5-Guilherme Ruschel
+19.04.1884 5 anos

6-Adão Antonio Diel
+20.07.1885 1 ano 6 meses

7-Francisca Ruschel
+05.01.1887 3 meses 

8-Guilhermina Werlang
+15.07.1887 5 anos

9-João Henrique Thisen
+14.09.1887 5 meses 

02.12.1888- O P. Vigário celebrou missa na Capela São Francisco Xavier, padroeiro de Santa Clara. No dia seguinte benzeu solenemente o cemitério de Santa Clara, estando presentes muitos fiéis. 

10-Ana Maria Ruwer geb Wickert.
+16.11.1889 72 anos

11-Pedro Ruwer (casal)
+13.02.1897 73 anos

12-Joana Horn geb Adameck 
+02.01.1890 71 anos

13-Fellipe Schaffer
+05.01.1890 54 anos

14-João Steinmetz
+13.03.1890 6 anos

15-Pedro Aloysio Wickert
+16.03.1890 3 meses

16-Ana Maria Rockembach
+17.04.1890 16 meses

17-Margarida Barden geb. Klein 
+01.05.1890

18-Margarida Eich geb Krombauer
+22.11.1890 34anos

19-Maria Clementina Diel
+08.01.1891 6 meses

20-Thereza Arenhart
+27.01.1891 4 anos e 4 meses

21-Maria Clementina Kraemer
+24.03.1891 21meses

22-Paulina Zart
+22.03.1891 2 anos

23-Francisco Afonso Krombauer
29.04.1891 2 anos

23-Mathias Francisco Steinmetz
06.06.1891 3 meses

25-Berta Schöffel
+28.08.1890 2 anos

26-Alberto Schneider
+21.06.1892 2 meses

27-Pedro Kaiser
+08.07.1892 15 anos

28-Wilhelmina Schmidt geb. Presser
*24.08.1856 +20.07.1892

29-Maria Margarida Ruwer geb. Gotz
+02.11.1892 31 anos

30-Catarina Bohn Geb Staut 
+15.12.1892 76 anos

31-Felipe Alberto Hermann
+14.03.1893 22 meses

32-Magdalena Suzana Reis
+23.04.1893 3 anos 6 meses

33-Pedro Krombauer
+08.05.1893 60 anos

34-Magdalena Müller Geb Kieling
+10.05.1893 65 anos

35-Reinaldo Nicolau Zart
+28.06.1893 2 meses

36-Leopoldo Weber Sobrinho
+16.07.1893 3 meses

37-João Luis Weber
+23.07.1893 6 dias

38-Elisabetha Bender
+29.11.1893 10dias

39-Albino Zart (Soldado)
+22.02.1894 18 anos e 2 meses

40-Paulina Bender
*22.06.1894 +22.06.1894

41-Pedro Reinaldo Krämer
*24.01.1896 +31.01.1896

42-Margarida Weiler geb Klein 
+08.04.1896 90 anos

43-Mathias Franz
+26.05.1896 5anos

44-José Steinmetz
+31.05.1896 15 anos

45-Catarina Lydsonia Steinmetz
+13.07.1897 4 anos 10 meses

46-Elisabetha Schneider Geb Schmidt (trisavó do autor Eduardo Daniel Schneider)
+04.01.1897 52 anos

47-João Diel
+04.05.1897 38 anos

48-Jacob Hermann
+02.07.1897

49-Antonio Kunz
+27.08.1899 84 anos

50-Catarina Diel geb. Mussnich
*08.05.1835 +21.02.1900 65 anos

51-Anna Maria Scheibler geb. Appelt
+13.07.1900 81anos

52-Alberto Carlos Artl
+18.08.1900 6 meses

53-Sophia Thiesen
+29.11.1900 68 anos

54-Jacob Konrath
+04.01.1901 76 anos

55-Jacob Francisco Eckert
+11.04.1901 19 anos

56-João Pedro Mallmann (tetravô do autor Rafael Henrique Lenhard)
+14.05.1901 82 anos 

57-Elisabetha Mallmann geb Adams (casal) (tetravó do autor Rafael Henrique Lenhard)
+19.09.1903 78 anos

58-Vicente Estevão Arenhart
+20.04.1901 8 meses

59-Clemente Worst
+15.12.1901 40 anos

60-Anna Gertrudes Bender geb Gregorius
+09.03.1902 72 anos

61-Francisco Weiler
+07.07.1902 26 anos

62-Maria Weber geb Ruwer
+18.07.1902 22 anos

63-Catarina Berwanger
+04.08.1902 15 anos

64-Bernardo Antonio Monteiro
+18.08.1902 36 anos

65-Maria Ollbermann
*19.09.1889 +20.11.1902

66-Jorge Ruwer
*20.11.1857 +24.02.1903

67-Catarina Nonnemacher
*26.07.1903 +27.07.1903

68-Margarida Olbermann geb Philippsen
+16.11.1903

69-João Pedro Bender
+15.05.1904 71 anos

70- João Dessoy
+10.06.1904 79anos

71-Affonso Schabbach
+03.04.1904 9 anos

72-José Mallmann
*09.09.1904 +10.09.1904

73-José Braun
+15.09.1904 66anos

74-Cristiano Ely
+26.10.1904 49 anos

75-Catarina Steinmetz geb Simon
+02.01.1905 56anos 

76-Elisabeth Schnorr geb Mussnich
+23.01.1905 63 anos

77-Jacob Arenhart
+12.03.1905 74 anos

78-Maria Arenhart geb Muller (casal)
+19.02.1906 56 anos

79-Lidvina Mieth
+01.11.1905 1 ano 8 meses

80-Henrique Lunkes (Linkes)
+05.12.1905 11 anos

81-Ignez Kober 
+24.02.1906 67 anos

82-Christina Schofen geb Löf
+08.06.1906 30 anos

83-Guilherme Weber
+25.05.1907 40 anos

84-Pedro Wattier
+05.06.1907 13 anos

85-Antonio Schneider (tetravô do autor Eduardo Daniel Schneider)
+09.06.1907 84 anos

86-Osvaldo Olbermann
*01.06.1907 +15.06.1907

87-Thereza Wille
+15.08.1907 17 anos

88-Maria Rockembach
+19.09.1907 33anos

89-Isabel Eich geb Wattier
+22.09.1907 24 anos

90-Maria Kober
*29.12.1862 +05.01.1909 

91-Amalia Schofen
+12.01.1909 8 anos

92-José Lauxen
+07.04.1909 52 anos

93-Carlos Göergen
+13.06.1909 3anos

94-Magdalena Borgmann geb Hermann
+28.10.1909 26 anos

95-Florinda Schneider geb Nonnemacher
+02.12.1909

96-Francisco Kasper
+08.04.1910 36 anos

97-Wilhelm Rockembach
+23.06.1910

98-Pedro Olbermann
+11.12.1910 52 anos

99-Anna Maria Kreling
+03.11.1911 71 anos

100-Pedro Franz
+24.11.1911 24 anos

101-Arthur Neuberger
+24.03.1912 10 meses

102-João Pedro Mallmann
+25.04.1912 67 anos

103-Elisabeth Mallmann geb Bender (casal)
+16.06.1916 68 anos

104-Maria Magdalena Zart geb Körber
+28.07.1912 50 anos

105-Catarina Weber Geb Lenhard (tisavó do autor Rafael Henrique Lenhard)
+27.08.1912 78 anos

106-João Weber (casal) (tisavô do autor Rafael Henrique Lenhard)
+23.03.1913 78 anos

107-Suzana Weiler geb Bender
+12.12.1912 70 anos

108-José Weiler (casal)
+18.06.1913 74 anos

109-Mathilde Goergen
+26.10.1913 11 anos

110-Jakob Ritter
+21.01.1914 46 anos

111-Catarina Klein geb Kölzer
*28.05.1862 +11.03.1914 52 anos

112-Jorge Klauck
*14.03.1914 +23.03.1858 

113-Juliana Weber geb Thiese 
+25.04.1914 43 anos

114-Elisabetha Seibel geb Mallmann
+15.07.1914 36 anos

115-José Hoffmann
+10.10.1914

116-José Roberto Träesel
+20.02.1915 4 semanas

117-Thereza Rabutzke 
+27.02.1915 43 anos

118-Catharina Zarth
+15.01.1915 57 anos

119-Carolina Schnorr
+25.05.1915 41 anos

120-Erna Mainhart
+29.06.1915 18 meses

121-Norbert Korber
+25.06.1915 79 anos

122-Otto Hofmann
+23.07.1915 1 ano

123-Maria C Weber
*02.10.1915 +09.10.1915

124-Maria Goergen geb Herbele
+06.11.1915 67 anos

125-Simonio Dessoy
+11.01.1916 56 anos

126-Josefina Schabbach geb Mallmann
+10.02.1916 37 anos

127-Jacob Hofmann
+16.05.1916

128-Mathias Arenhart
+12.06.1916 61anos

129-Antonio Seibel
+26.06.1916 63 anos

130-Isabel Mallmann
+16.06.1916 68 anos

131-Jacob Adolpho
+30.10.1916 6 meses 5 dias

132-Reinaldo Leopoldo Halmenschlage
+29.12.1916 1 anos 3 meses

133-Maria Laura Ruschel
+20.06.1916 1 ano 5 meses

134-Elvira Catharina Dessoy
+29.12.1916 6 anos 4 meses

135-Catharina Kunz
+19.01.1917 61 anos

136-Catharina Spohr geb Lauermann (trisavó do Autor Rafael Henrique Lenhard)
24.01.1917 76 anos

137-Jorge Fridolt Reis
+01.02.1917 3 anos 1 mês

138-Lauro Weiler
+24.03.1917 1 ano 11 meses

139-Arthur Weiler
+09.03.1917 11 anos

140-Afonso Mainhart
+03.03.1917 6 anos 6 meses

141-Miguel Ruschel
+21.06.1917 64 anos

142-Ermindo Arenhart
+20.08.1917 1 ano 5meses

143-Anna Maria Weber geb Dessoy
*28.06.1943 +03.09.1917

144-Ana Maria Jungs
+29.09.1917 39 anos

145-Arnoldo Hofmann
+04.11.1917 2 meses

146-Theobaldo Hermann
+30.11.1917 10 meses

147-Alina Ottilia
+09.01.1918 3 anos 8 meses

148-Annita Nonnemacher
+06.03.1918 6 meses 

149-Selma Maria Scheibler
+15.06.1918 1 ano 1 mês

150-José Kasper
+03.09.1918 70 anos

151- J. Nicolau Goergen
*18.09.1949 +03.12.1919

152- Peter Götems
*05.12.1852 +05.07.1919

153-Antonio Ritt Sobrinho
*29.04.1881 +27.12.1919

154-Hugo Dullius
*24.01.1920 +05.02.1921

155-Anton Diel
*11.01.1832 +06.07.1921

Fotos de  sepulturas do antigo cemitério católico de Santa Clara do Sul/RS


Foto da cruz da sepultura de Wilhelmina Schmitd exposta no
Museu da Paróquia São Francisco Xavier de Santa Clara do Sul/RS.
Fonte: Foto dos autores 

Foto da cruz da sepultura de Wilhelmina Schmitd exposta no
Museu da Paróquia São Francisco Xavier de Santa Clara do Sul/RS.
Fonte: Foto dos autores 

Foto sepultura de Wilhelm (Guilherme) Weber
transferida do cemitério velho para o cemitério novo.
Fonte: Foto dos autores 

Foto sepultura de Wilhelm (Guilherme) Weber
transferida do cemitério velho para o cemitério novo
Fonte: Foto dos autores 


Foto sepultura de Joseph Kasper Sênior
transferida do cemitério velho para o cemitério novo.
Fonte: Foto dos autores  

Foto sepultura de Joseph Kasper Sênior
transferida do cemitério velho para o cemitério novo.
Fonte: Foto dos autores 

Foto sepultura de Johann Peter Mallmann
transferida do cemitério velho para o cemitério novo.
Fonte: Foto dos autores  

Foto sepultura de Johann Peter Mallmann
transferida do cemitério velho para o cemitério novo.
Fonte: Foto dos autores 

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Agradecimento

Agradecemos ao senhor Lauro Anshau, ao senhor Astor Weiler e a senhora Amélia Ody pela disponibilidade para as entrevistas, vocês foram parte importante para a reconstituição dos fatos.  Homenagem e agradecimento ao Padre Alberto Träsel que sempre buscou manter viva a história dos nossos antepassados e de Santa Clara do Sul/RS. Agradecemos também ao senhor Angelo Braun, a senhora Maria Lisetone Halmenschlager e ao senhor Charles Thomas pela ajuda e apoio de sempre! Obrigado a todos!

Para essa publicação foi utilizado mais de 1 ano de pesquisas históricas, busca em registros, visitas e entrevistas. Valorize nossa determinação!

Caso você tenha qualquer colaboração, ela pode ser enviada para rafaelhelenhard@gmail.com ou eduardodanielschneider@gmail.com. Fotos enviadas, caso usadas, serão referenciadas em seu nome.


terça-feira, 28 de maio de 2019

Combate Vitorioso dos Colonos Santaclarences de 28 de Maio de 1895


Capa do Livro Der Maragatenkrieg do Autor Padre Alberto Träsel.


   Hoje 28 de Maio, majestoso o sino da centenária Igreja de São Francisco Xavier, ecoa solenemente sobre a cidade que neste dia em 1895 os colonos alemães venceram os maragatos, recordo também hoje o aniversário de nascimento do meu finado tio, o saudoso Padre Alvaro Lenhard. Os colonos alemães rendendo glória a Deus ergueram este magnifico templo, para a humilde comunidade da época.







   No último ano da Revolução Federalista de 1893, que se desencadeava em solo gaúcho, a pequena Picada de Santa Clara, colonizada a pouco mais de 30 anos por alemães, vivia a sua vida modesta, entre as matas virgens banhadas pelo arroio Saraquá, com viçosas lavouras e a comunidade reunida pela pequena capela escola, em honra a São Francisco Xavier.

Foto de uma das visitas ao Senhor Lauro Anschau, mostrando o Livro Der Maragatenkrieg, do autor Padre Alberto Träsel.

   O senhor Lauro Anschau, de 93 anos é quem ajudou a manter preservada esta história, seu avô Reinoldo Goergen foi combatente e sabe contar como tudo ocorreu, recorda tudo aquilo que seu avô lhe contou, tudo o que foi vivido naquele combate. Em uma das tantas visitas a ele, me mostra o livro Der Maracatenkrieg, que recebeu de presente do autor Padre Alberto Träsel, quem também muito fez para preservar a história dos primórdios de Santa Clara do Sul. Lauro lê em alemão os nomes dos combatentes e algumas descrições do livro.
   Conta Lauro Anschau que tudo ia bem mesmo com o decorrer da revolução, até que o bando do chefe maragato Palmeira foi colocado para correr por Santos Filho na Vila de Estrela, as picadas da região ficaram em alerta. Foi então que José Diel colono de 32 anos da picada de Santa Clara, foi até Santos Filho e lhe fez a proposta de que forneceria mantimentos e gado em troca de proteção. Os colonos da picada enviaram por duas vezes oito carroças de gado e mantimentos.
Iniciando-se os primeiros meses do ano de 1895 houveram algumas invasões nas picadas vizinhas pelos maragatos, e os colonos Santaclarenses ficaram na estreita com medo de uma possível invasão. Ao final do mês de Março chegaram a Picada de Neu Berlin hoje localidade de Sampaio, onde invadiram a propriedade de Jacó Jommer, o bando invasor chegou entrando pelo potreiro, o colono chegou na porta da casa com sua espingarda de cano duplo e ordenou que se retirassem, gargalhadas altas e alguns tiros foram a resposta, então Jacó Jommer revidou com tiros matando um dos assaltantes, o bando se colocou a correr, prometendo voltar para se vingar pela vida do companheiro morto.

Mapa indicando as Picadas na época da Revolução Federalista de 1893.


   Alguns dias depois o bando apareceu novamente juntando-se ao bando de Zeca Ferreira e invadiram a Picada Aurora, no dia 28 de março, ali assaltaram a casa do colono José Rockembach. José conseguiu fugir a tempo, mas a esposa e filhos tiveram que presenciar a cena do saque de seus bens e gado, ainda sob terríveis ameaças e sob promessas de voltarem. A segunda casa a ser roubada foi de José Arenhart , após o grupo se colocou mato a dentro.
   Os colonos da picada de Santa Clara vendo acontecer tal barbaridades nas picadas vizinhas começaram a ficar em alerta, José Diehl propôs que todos os homens se unissem e com suas armas protegessem suas propriedades, mas os colonos queriam desfrutar da paz em que viviam e não aceitaram.
   No dia 02 de abril pelas 11 horas da noite , o bando de Zeca Ferreira invadiu a Picada de São Rafael, na época Eckertspikade, sob comando de Frederico Limo, saquearam algumas casas com a intenção de juntar armas e levar dois reféns. Rapidamente a noticia chegou a José Diehl que conseguiu convencer alguns colonos e jovens a enfrentarem os invasores.
   Aos 04 de Abril, dois dias depois, os maragatos invadiram novamente a Picada Aurora, a residência de José Rockembach foi novamente roubada, ele que não estava em casa. É sabido que levaram de refém um pedreiro e foram em direção a Picada Augusta e São Bento, na próxima casa que invadiram encontraram o irmão do refém, levando os dois até suas casas, trancando as famílias e levando tudo o que lhes tinha algum valor, ainda com a faca no pescoço ordenaram dar vivas ao federalismo.
   No mesmo dia o bando seguiu em direção a São Bento, a primeira casa que saquearam foi de Miguel Ruchel Sobrinho, nas terras do qual hoje resido e estou sentado redigindo este relato, a 300 metros do ocorrido. Ao chegarem na casa do colono o mesmo foi até a porta, para avistar a movimentação em torno da casa, foi então rendido com uma pancada  na cabeça e amarrado,  juntamente com seu filho. Começaram a saquear a casa, o rapaz conseguiu soltar-se e pegou a arma que havia escondido na cama e pulou da janela, entrando em fuga do bando sob disparos, conseguindo escapar e alarmar os vizinhos. Não avisando mais o jovem, a parte do bando que foi atrás do garoto, voltou para casa do assaltado. Miguel teve a vida poupada pelas lagrimas da mãe e da esposa, depois de muito suplicar aos assaltantes, em seguida saíram pela picada levando 5 contos de reis, dando gritos, gargalhadas e tiros em quem aparecesse pela frente. Alarmados pelo filho de Miguel Ruchel,  dezessete homens e jovens da Picada de Santa Clara barraram os maragatos dando lhes muitos tiros certeiros fazendo o bando fugir.

Parte original da cozinha da casa de Miguel Ruchel Sobrinho onde ocorreu a invasão dos Maragatos.


   A noite do mesmo dia os colonos Santaclarences se uniram e solicitaram a José Diel que assumisse o comando de defesa da picada, tarefa muito difícil por terem poucas e antigas armas. Durante a Revolução Federalista, era extremamente proibida a venda de armas, salvo em situações especiais. José Diel foi até Lajeado para conversar com o intendente sobre a necessidade de novas armas para defesa, o intendente o encaminhou ao comando militar da então Vila de Estrela. Encontrando o Major Bandeira teve uma longa conversa, conseguindo convence-lo da necessidade de adquirir armas novas, para poderem defender a Picada de Santa Clara.
  Em seguida, alguns colonos se dirigiram de cavalo a Porto Alegre para comprar as armas. Voltando de Porto Alegue, José Diel foi proclamado Comandante Civil, os colonos lhe juraram obediência militar, o novo comandante organizou sentinelas nas entradas da picada, vigiadas dia e noite, bem como sinais a serem observados em uma invasão.
  O Senhor Anschau conta que as mulheres e as crianças se esconderam nas matas, sua avó Leopoldina Goergen nascida Schabbach, com o primeiro filho, teria levado uma vaca junto, para terem leite para beber, sempre deixando a vaca bem satisfeita para não mugir e terem o esconderijo descoberto.


Leopoldina Schabbach e Reinoldo Goergen, avós do Senhor Lauro Anschau.

   Em uma das próximas noites a sentinela da Eckertspikade foi ameaçada, mas os maragatos se colocaram em fuga depois da defesa dos colonos. Os assaltantes foram novamente até a casa do colono Jacob Jommer, ao qual tinham prometido voltar e já estava preparado, ordenou aos dois filhos que dormissem armados no galpão aos fundos da casa. Quando o bando chegou, o cachorro deu o sinal da invasão, e Jommer correu no galpão avisar os filhos, que já estavam em posição de ataque e quase balearam o pai. O filho mais velho foi pela lateral da casa até a frente e já foi recebido com tiros, os colonos revidaram com tiros, mas o rapaz mais velho foi baleado, caindo no chão, o pai escondeu o filho para que não fosse encontrado e pegou sua arma disparando contra os invasores. Na escuridão Jommer deu uma coronhada com sua arma em um assaltante e foi baleado na perna, caindo no chão ordenou que o filho mais novo fugisse. Conseguiu arrastar-se até uma vala nos fundos da casa, ali ouviu os bandidos saquearem e depredarem sua casa, procurando o colono ferido e ameaçando sua vida se o encontrassem, desmaiou acordando no outro dia com seu filho ferido ao lado. Outro dia pela manhã, José Diel ordenou que um grupo fosse até lá e trouxesse os feridos para Santa Clara.
   Vários grupos seguiram circulando ao outro lado do Arroio Sampaio, ameaçando invadir a Picada de Santa Clara.  No 14 de maio a noite José Diel ficou sabendo que um grupo liderado por José da Rocha estava acampado em Boa Esperança, José Diel em companhia de 44 homens foi até a picada juntando-se com os moradores para expulsar  o grupo que não foi localizado. Na mesma noite uma sentinela se confrontou com 2 maragatos, um deles perdeu a vida e os dois deixaram suas montarias para trás, estas foram roubadas dias anteriores de um colono santaclarense.
   Pela manhã o comandante José Diel recebe uma carta assinada pelo capitão Antônio Ribeiro dos Santos, dizendo que Zeca Ferreira viria com sua tropa de mais de 1000 homens para destruir a picada de Santa Clara, ao menos que se rendessem teriam suas vidas poupadas, em contrapartida José Diel respondeu que não poderiam confiar em tal proposta e lutariam até o fim. Recebendo outra carta de resposta com muitos insultos e ameaças, o combate estava prestes a acontecer. Lauro Anschau diz que ameaçavam dizendo que matariam todos os homens da picada e à noite fariam um baile dentro da Igreja com as mulheres.
   Ao raiar do sol no dia 28 de Maio os sinais combinados foram dados, Zeca Ferreira com seu bando estava chegando. O bando vinha se aproximando perto da picada, dos 10 primeiros colonos santaclarenses que estavam de guarda com armas de modelo antigo, quatro foram para a picada avisar o que estava prestes a acontecer, os restantes revidaram com suas armas diante de quase 400 maragatos. Logo chegaram mais 10 colonos para ajudar na defesa. Já se corriam 15 minutos da batalha, chegou o Comandante José Diel na companhia de mais 15 colonos santaclarences, ordenou se dividirem em dois grupos e usarem as armas novas, deitaram-se na grama do potreiro, atrás das trincheiras. Lauro, em uma das visitas a ele, me mostra o local exato onde ficava a trincheira que seu avô lutou. Os maragatos se aproximaram com fitas brancas nos chapéus e dando vivas a Santos Filho, mas os colonos não se deixaram enganar.


Local do Combate Vitorioso de 28 de maio de 1895, as setas indicam o antigo travessão por onde os maragatos vieram, e na sombra o declive usado como trincheira pelo colonos Santaclarences.

   Chegou ao Comandante José Diel, o sub comandante em pânico pela quantidade de maragatos que estavam prestes a invadir a picada,  José Diel encorajou seus homens, os primeiros cinco maragatos que tentaram invadir o centro da picada, um deles veio tocando clarim, dois foram feridos e caíram dos cavalos, Lauro Anscheu diz que a bala certeira entrou no clarim e saiu atrás da cabeça, os outros recuaram. Após 150 maragatos tentaram novamente a invasão, por três vezes tentaram a invasão e foram recuados, após mais 40 maragatos tentaram o ataque e foram repelidos, os colonos santaclarences já estavam em 50 homens, e a sangrenta batalha estava acontecendo há três horas.  Os  colonos alemães santaclarences com muita valentia fizeram os maragatos recuarem, deixando o solo da picada de Santa Clara. Ao final ainda alguns maragatos revidaram, foi quando o Subcomandante Nicolau Klein foi ferido em uma das pernas, Lauro Anschau diz que o fato ocorreu no Schustereck, lembra exatamente o local indicado pelo seu avô onde se escondia o Subcomandante ao levar o tiro, e que depois teve a perna amputada.
Foto de Lauro Anschau, no lugar onde ele nasceu, e foi o Combate Vitorioso.


   O Senhor Anschau nos conta mais, ao final ainda o maragato que tocou o clarim estava ferido, teria indagado “Sou inocente!”, mas Pedro Schneider, que não consta na lista de combatentes homenageados, avô de seu amigo Aloysio Schneider, teria imposto a arma e dito “Tu tem que morrer”, disparando contra ele, evitando que voltassem para resgatar o companheiro. O maragato estava usando as botas roubadas em um saque de dias anteriores, da casa de meu trisavô Jacob Kocchann, onde o avô de Anschau  reconheceu que as botas eram de Jacob Kochann e as tirou do maragato,  relata “Meu avô ganhou as botas e me deu elas, fiquei com elas mais de 40 anos, agora estão no museu para quem quiser olhar, em cima está meu nome como doador”.

Botas de Jacob Kocchann doadas por Lauro Anschau ao Museu Municipal de Santa Clara do Sul.


   Doze colonos foram por um atalho em direção a Picada Aurora, para ter certeza de que não voltariam, e se depararam com um bando de 45 maragatos, sob o comando do capitão Ribeiro dos Santos, que já tinham depredado a Picada Aurora e pretendiam contra atacar pelo outro lado da picada de Santa Clara, novamente foram bravamente os colonos santaclarences atacaram, tendo vários feridos e um maragato morto o bando se pôs em fuga.


Fuzil usado no Combate Vitorioso por um Maragato.

   No campo de batalha ficaram sete maragatos mortos e quase 40 gravemente feridos, mais de 35 cavalos mortos e inúmeros adereços, chapéus e ponchos. Estes mortos foram enterrados onde hoje está o Monumento do Combate Vitorioso.
   O combate havia acabado, mas as ameaças de novas invasões persistiram por muito tempo, vendo a necessidade de proteção cada colono comprou sua arma moderna.


Monumento do Combate Vitorioso, no local onde colonos Santaclarences enfrentaram os maragatos.


O Senhor Lauro Anschau ao lado do busto do Coronel José Diel, no monumento do Combate Vitorioso.


O Senhor Lauro Anschau mostra ao lado onde foram enterrados os maragatos mortos no Combate Vitorioso.

Os 50 combatentes Santaclarences foram:
Comandante Coronel José Diel

Foto Coronel José Diel Museu Municipal de Santa Clara do Sul.


Sub-comandante Capitão Nicolau Klein

Foto Capitão Nicolau Klein Museu Municipal de Santa Clara do Sul.


Pedro Mallmann, João Pedro Mallmann, Pedro Weiler, Guilherme Arenhart, Pedro João Wickert, Carlos Allgayer, Guilherme Werlang, Miguel Ruchel Sobrinho, Jacob Weiand, Jacob Weiand Filho, Jacob Arenhart, Jacob Arenhart Filho, Pedro Wickert, João Weber, Augusto Müller, Francisco Kasper, Carlos Schnorr, Jacob Schnorr, Antonio Ruschel, Reinoldo Ruschel, Nicolau Werlang, José Weiler, Jacob Weiler, Felipe Mallmann, Francisco Weiler, Manoel Werlang, José Ruchel, Mathias Arenhart, Pedro Weber, Carlos Lenhart, João Schabbach, Augusto Zart, Pedro Kaeper, Jacob Braun, Frederico Schneider, Adão Franz, Jacob Kocchann, Nicolau Dessoy, Martin Reis, José Lauxen, Jacob Löblein, João Diehl, Guilherme Steinmetz, Cristiano Ely, Reinoldo Göergen, Nicolau Krämer, Pedro Bender, Nicolau Schneider.


O Senhor Lauro Anschau mostra na placa em homenagem aos 50 colonos combatentes o nome de seu avô Reinoldo Goergen.


    Hoje após 124 anos as marcas das balas continuam nas três, das cinco palmeiras da propriedade do pai de Lauro Anschau, hoje de seu filho, na infância encontrou muitas balas perdidas espalhadas pela propriedade .

O Senhor Lauro Anschau mostrando as três palmeiras crivadas de balas.

Palmeiras com marcas de bala, do Combate Vitorioso de 28 de maio de 1895.

Palmeiras com marcas de bala, do Combate Vitorioso de 28 de maio de 1895.



Neste 28 de maio de 2019, recordamos a união destes bravos colonos Santaclarenses, que defenderam  nossa cidade na época, para que não fosse invadida e depredada pelos maragatos, acima de tudo estava sua fé. Para render glória a Deus, como haviam prometido, dezoito anos após o combate, em 1913, começaram a construção da terceira Capela da Picada de Santa Clara, a atual Igreja Matriz de São Francisco Xavier.

Bandeira de Nossa Senhora da Gloria, doada  pelo Coronel José Diel para a Igreja Matriz, Museu da Matriz São Francisco Xavier de Santa Clara do Sul.




Agradecimentos ao Senhor Lauro Anschau, aos seus filhos Loreno, Marlene e Lisane, estendidos também à Eduardo Daniel Schneider.



Rafael Henrique Lenhard, nasci em 19 de Dezembro de 1994, em Santa Clara do Sul RS. Sou formado como Bacharel em Administração pela Universidade Norte do Paraná. Pesquiso a genealogia de famílias alemãs desde 2008.
Se você precisar de ajuda em pesquisas ou tiver alguma contribuição ou correção  para fazer, estarei a disposição, contate pelo facebook, ou e-mail rafaelhelenhard@gmail.com, não esqueça de me seguir para acompanhar as publicações.