Capa
do Livro Der Maragatenkrieg do Autor Padre Alberto Träsel.
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Hoje 28 de Maio, majestoso o sino da centenária
Igreja de São Francisco Xavier, ecoa solenemente sobre a cidade que neste dia em
1895 os colonos alemães venceram os maragatos, recordo também hoje o aniversário de nascimento
do meu finado tio, o saudoso Padre Alvaro Lenhard. Os colonos alemães rendendo
glória a Deus ergueram este magnifico templo, para a humilde comunidade da
época.
No último ano da Revolução Federalista de 1893, que
se desencadeava em solo gaúcho, a pequena Picada de Santa Clara, colonizada a pouco
mais de 30 anos por alemães, vivia a sua vida modesta, entre as matas virgens banhadas
pelo arroio Saraquá, com viçosas lavouras e a comunidade reunida pela
pequena capela escola, em honra a São Francisco Xavier.
Foto
de uma das visitas ao Senhor Lauro Anschau, mostrando o Livro Der
Maragatenkrieg, do autor Padre Alberto Träsel.
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O senhor Lauro Anschau, de 93 anos é quem ajudou a
manter preservada esta história, seu avô Reinoldo Goergen foi combatente e sabe
contar como tudo ocorreu, recorda tudo aquilo que seu avô lhe contou, tudo o
que foi vivido naquele combate. Em uma das tantas visitas a ele, me mostra o livro
Der Maracatenkrieg, que recebeu de presente do autor Padre Alberto Träsel, quem
também muito fez para preservar a história dos primórdios de Santa Clara do
Sul. Lauro lê em alemão os nomes dos combatentes e algumas descrições do livro.
Conta Lauro Anschau que tudo ia bem mesmo com o decorrer da revolução, até que o bando do chefe maragato Palmeira foi colocado
para correr por Santos Filho na Vila de Estrela, as picadas da região ficaram
em alerta. Foi então que José Diel colono de 32 anos da picada de Santa Clara,
foi até Santos Filho e lhe fez a proposta de que forneceria mantimentos e gado
em troca de proteção. Os colonos da picada enviaram por duas vezes oito
carroças de gado e mantimentos.
Iniciando-se os primeiros meses do ano de 1895
houveram algumas invasões nas picadas vizinhas pelos maragatos, e os colonos
Santaclarenses ficaram na estreita com medo de uma possível invasão. Ao final
do mês de Março chegaram a Picada de Neu Berlin hoje localidade de Sampaio,
onde invadiram a propriedade de Jacó Jommer, o bando invasor chegou entrando
pelo potreiro, o colono chegou na porta da casa com sua espingarda de cano
duplo e ordenou que se retirassem, gargalhadas altas e alguns tiros foram a
resposta, então Jacó Jommer revidou com tiros matando um dos assaltantes, o
bando se colocou a correr, prometendo voltar para se vingar pela vida do
companheiro morto.
Mapa indicando as Picadas na época da Revolução Federalista de 1893. |
Alguns dias depois o bando apareceu novamente
juntando-se ao bando de Zeca Ferreira e invadiram a Picada Aurora, no dia 28 de
março, ali assaltaram a casa do colono José Rockembach. José conseguiu fugir a
tempo, mas a esposa e filhos tiveram que presenciar a cena do saque de seus
bens e gado, ainda sob terríveis ameaças e sob promessas de voltarem. A segunda
casa a ser roubada foi de José Arenhart , após o grupo se colocou mato a
dentro.
Os colonos da picada de Santa Clara vendo acontecer
tal barbaridades nas picadas vizinhas começaram a ficar em alerta, José Diehl
propôs que todos os homens se unissem e com suas armas protegessem suas propriedades,
mas os colonos queriam desfrutar da paz em que viviam e não aceitaram.
No dia 02 de abril pelas 11 horas da noite , o bando
de Zeca Ferreira invadiu a Picada de São Rafael, na época Eckertspikade, sob
comando de Frederico Limo, saquearam algumas casas com a intenção de juntar armas e levar dois reféns. Rapidamente a noticia chegou a José Diehl que
conseguiu convencer alguns colonos e jovens a enfrentarem os invasores.
Aos 04 de Abril, dois dias depois, os maragatos
invadiram novamente a Picada Aurora, a residência de José Rockembach foi
novamente roubada, ele que não estava em casa. É sabido que levaram de refém um
pedreiro e foram em direção a Picada Augusta e São Bento, na próxima casa que
invadiram encontraram o irmão do refém, levando os dois até suas casas,
trancando as famílias e levando tudo o que lhes tinha algum valor, ainda com a
faca no pescoço ordenaram dar vivas ao federalismo.
No mesmo dia o bando seguiu em direção a São Bento,
a primeira casa que saquearam foi de Miguel Ruchel Sobrinho, nas terras do qual
hoje resido e estou sentado redigindo este relato, a 300 metros do ocorrido. Ao
chegarem na casa do colono o mesmo foi até a porta, para avistar a movimentação
em torno da casa, foi então rendido com uma pancada na cabeça e amarrado, juntamente com seu filho. Começaram a saquear
a casa, o rapaz conseguiu soltar-se e pegou a arma que havia escondido na cama
e pulou da janela, entrando em fuga do bando sob disparos, conseguindo escapar
e alarmar os vizinhos. Não avisando mais o jovem, a parte do bando que foi atrás do garoto, voltou para casa do assaltado. Miguel teve a
vida poupada pelas lagrimas da mãe e da esposa, depois de muito suplicar aos
assaltantes, em seguida saíram pela picada levando 5 contos de reis, dando
gritos, gargalhadas e tiros em quem aparecesse pela frente. Alarmados pelo filho
de Miguel Ruchel, dezessete homens e jovens da Picada de Santa Clara barraram os
maragatos dando lhes muitos tiros certeiros fazendo o bando fugir.
Parte original da cozinha da casa de Miguel Ruchel Sobrinho onde ocorreu a invasão dos Maragatos. |
A noite do mesmo dia os colonos Santaclarences se uniram
e solicitaram a José Diel que assumisse o comando de defesa da picada, tarefa
muito difícil por terem poucas e antigas armas. Durante a Revolução Federalista, era extremamente proibida a venda de armas, salvo em situações especiais. José
Diel foi até Lajeado para conversar com o intendente sobre a necessidade de novas
armas para defesa, o intendente o encaminhou ao comando militar da então Vila
de Estrela. Encontrando o Major Bandeira teve uma longa conversa, conseguindo
convence-lo da necessidade de adquirir armas novas, para poderem defender a
Picada de Santa Clara.
Em seguida, alguns colonos se dirigiram de cavalo a Porto Alegre para comprar as armas. Voltando
de Porto Alegue, José Diel foi proclamado Comandante Civil, os colonos lhe
juraram obediência militar, o novo comandante organizou sentinelas nas entradas
da picada, vigiadas dia e noite, bem como sinais a serem observados em uma
invasão.
O Senhor Anschau conta que as mulheres e as crianças se esconderam nas matas, sua avó Leopoldina Goergen nascida Schabbach, com o primeiro filho, teria levado uma vaca junto, para terem leite para beber, sempre deixando a vaca bem satisfeita para não mugir e terem o esconderijo descoberto.
O Senhor Anschau conta que as mulheres e as crianças se esconderam nas matas, sua avó Leopoldina Goergen nascida Schabbach, com o primeiro filho, teria levado uma vaca junto, para terem leite para beber, sempre deixando a vaca bem satisfeita para não mugir e terem o esconderijo descoberto.
Leopoldina
Schabbach e Reinoldo Goergen, avós do Senhor Lauro Anschau.
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Em uma das próximas noites a sentinela da
Eckertspikade foi ameaçada, mas os maragatos se colocaram em fuga depois da
defesa dos colonos. Os assaltantes foram novamente até a casa do colono Jacob
Jommer, ao qual tinham prometido voltar e já estava preparado, ordenou aos
dois filhos que dormissem armados no galpão aos fundos da casa. Quando o bando
chegou, o cachorro deu o sinal da invasão, e Jommer correu no galpão avisar os
filhos, que já estavam em posição de ataque e quase balearam o pai. O filho mais
velho foi pela lateral da casa até a frente e já foi recebido com tiros, os colonos
revidaram com tiros, mas o rapaz mais velho foi baleado, caindo no chão, o pai
escondeu o filho para que não fosse encontrado e pegou sua arma disparando
contra os invasores. Na escuridão Jommer deu uma coronhada com sua arma em um
assaltante e foi baleado na perna, caindo no chão ordenou que o filho mais novo
fugisse. Conseguiu arrastar-se até uma vala nos fundos da casa, ali ouviu os bandidos
saquearem e depredarem sua casa, procurando o colono ferido e ameaçando sua
vida se o encontrassem, desmaiou acordando no outro dia com seu filho
ferido ao lado. Outro dia pela manhã, José Diel ordenou que um grupo fosse até lá e
trouxesse os feridos para Santa Clara.
Vários grupos seguiram circulando ao outro lado do Arroio Sampaio, ameaçando invadir a Picada de Santa Clara. No 14 de maio a noite José Diel ficou sabendo
que um grupo liderado por José da Rocha estava acampado em Boa Esperança, José
Diel em companhia de 44 homens foi até a picada juntando-se com os moradores
para expulsar o grupo que não foi
localizado. Na mesma noite uma sentinela se confrontou com 2 maragatos, um
deles perdeu a vida e os dois deixaram suas montarias para trás, estas foram
roubadas dias anteriores de um colono santaclarense.
Pela manhã o comandante José Diel recebe uma carta
assinada pelo capitão Antônio Ribeiro dos Santos, dizendo que Zeca Ferreira
viria com sua tropa de mais de 1000 homens para destruir a picada de Santa
Clara, ao menos que se rendessem teriam suas vidas poupadas, em contrapartida José
Diel respondeu que não poderiam confiar em tal proposta e lutariam até o fim.
Recebendo outra carta de resposta com muitos insultos e ameaças, o combate
estava prestes a acontecer. Lauro Anschau diz que ameaçavam dizendo que
matariam todos os homens da picada e à noite fariam um baile dentro da Igreja
com as mulheres.
Ao raiar do sol no dia 28 de Maio os sinais
combinados foram dados, Zeca Ferreira com seu bando estava chegando. O bando
vinha se aproximando perto da picada, dos 10 primeiros colonos santaclarenses
que estavam de guarda com armas de modelo antigo, quatro foram para a picada
avisar o que estava prestes a acontecer, os restantes revidaram com suas armas
diante de quase 400 maragatos. Logo chegaram mais 10 colonos para ajudar na
defesa. Já se corriam 15 minutos da batalha, chegou o Comandante José Diel na
companhia de mais 15 colonos santaclarences, ordenou se dividirem em dois
grupos e usarem as armas novas, deitaram-se na grama do potreiro, atrás das
trincheiras. Lauro, em uma das visitas a ele, me mostra o local exato onde ficava
a trincheira que seu avô lutou. Os maragatos se aproximaram com fitas
brancas nos chapéus e dando vivas a Santos Filho, mas os colonos não se
deixaram enganar.
Local
do Combate Vitorioso de 28 de maio de 1895, as setas indicam o antigo travessão
por onde os maragatos vieram, e na sombra o declive usado como trincheira
pelo colonos Santaclarences.
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Foto
de Lauro Anschau, no lugar onde ele nasceu, e foi o Combate Vitorioso.
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O Senhor Anschau nos conta mais, ao final ainda o maragato que tocou o clarim estava ferido, teria indagado “Sou inocente!”, mas Pedro Schneider,
que não consta na lista de combatentes homenageados, avô de seu amigo Aloysio Schneider,
teria imposto a arma e dito “Tu tem que morrer”, disparando contra ele,
evitando que voltassem para resgatar o companheiro. O maragato estava usando as
botas roubadas em um saque de dias anteriores, da casa de meu trisavô Jacob
Kocchann, onde o avô de Anschau reconheceu que as botas eram de Jacob Kochann e
as tirou do maragato, relata “Meu avô
ganhou as botas e me deu elas, fiquei com elas mais de 40 anos, agora estão no
museu para quem quiser olhar, em cima está meu nome como doador”.
Doze colonos foram por um atalho em direção a Picada
Aurora, para ter certeza de que não voltariam, e se depararam com um bando de
45 maragatos, sob o comando do capitão Ribeiro dos Santos, que já tinham
depredado a Picada Aurora e pretendiam contra atacar pelo outro lado da picada
de Santa Clara, novamente foram bravamente os colonos santaclarences atacaram,
tendo vários feridos e um maragato morto o bando se pôs em fuga.
Fuzil
usado no Combate Vitorioso por um Maragato.
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No campo de batalha ficaram sete maragatos mortos e
quase 40 gravemente feridos, mais de 35 cavalos mortos e inúmeros adereços,
chapéus e ponchos. Estes mortos foram enterrados onde hoje está o Monumento do
Combate Vitorioso.
O combate havia acabado, mas as ameaças de novas
invasões persistiram por muito tempo, vendo a necessidade de proteção cada
colono comprou sua arma moderna.
Monumento
do Combate Vitorioso, no local onde colonos Santaclarences enfrentaram os maragatos.
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O
Senhor Lauro Anschau ao lado do busto do Coronel José Diel, no monumento do
Combate Vitorioso.
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O
Senhor Lauro Anschau mostra ao lado onde foram enterrados os maragatos mortos
no Combate Vitorioso.
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Os 50 combatentes Santaclarences foram:
Comandante Coronel José Diel
Foto Coronel José Diel Museu Municipal de Santa Clara do Sul. |
Sub-comandante Capitão Nicolau Klein
Pedro Mallmann, João Pedro Mallmann, Pedro Weiler,
Guilherme Arenhart, Pedro João Wickert, Carlos Allgayer, Guilherme Werlang,
Miguel Ruchel Sobrinho, Jacob Weiand, Jacob Weiand Filho, Jacob Arenhart, Jacob
Arenhart Filho, Pedro Wickert, João Weber, Augusto Müller, Francisco Kasper,
Carlos Schnorr, Jacob Schnorr, Antonio Ruschel, Reinoldo Ruschel, Nicolau
Werlang, José Weiler, Jacob Weiler, Felipe Mallmann, Francisco Weiler, Manoel
Werlang, José Ruchel, Mathias Arenhart, Pedro Weber, Carlos Lenhart, João
Schabbach, Augusto Zart, Pedro Kaeper, Jacob Braun, Frederico Schneider, Adão
Franz, Jacob Kocchann, Nicolau Dessoy, Martin Reis, José Lauxen, Jacob Löblein,
João Diehl, Guilherme Steinmetz, Cristiano Ely, Reinoldo Göergen, Nicolau
Krämer, Pedro Bender, Nicolau Schneider.
O
Senhor Lauro Anschau mostra na placa em homenagem aos 50 colonos combatentes o
nome de seu avô Reinoldo Goergen.
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Hoje após 124 anos as marcas das balas continuam nas três, das cinco palmeiras da propriedade
do pai de Lauro Anschau, hoje de seu filho, na infância encontrou muitas balas perdidas espalhadas pela propriedade .
O
Senhor Lauro Anschau mostrando as três palmeiras crivadas de balas.
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Palmeiras
com marcas de bala, do Combate Vitorioso de 28 de maio de 1895.
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Palmeiras
com marcas de bala, do Combate Vitorioso de 28 de maio de 1895.
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Neste 28 de maio de 2019, recordamos a união destes
bravos colonos Santaclarenses, que defenderam
nossa cidade na época, para que não fosse invadida e depredada pelos
maragatos, acima de tudo estava sua fé. Para render glória a Deus, como haviam prometido,
dezoito anos após o combate, em 1913, começaram a construção da terceira Capela
da Picada de Santa Clara, a atual Igreja Matriz de São Francisco Xavier.
Bandeira
de Nossa Senhora da Gloria, doada pelo
Coronel José Diel para a Igreja Matriz, Museu da Matriz São Francisco Xavier de
Santa Clara do Sul.
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Agradecimentos ao Senhor Lauro Anschau, aos seus filhos Loreno, Marlene e Lisane, estendidos também à Eduardo Daniel Schneider.
Rafael Henrique Lenhard, nasci em 19 de Dezembro de 1994, em Santa Clara do Sul RS. Sou formado como Bacharel em Administração pela Universidade Norte do Paraná. Pesquiso a genealogia de famílias alemãs desde 2008.
Se você precisar de ajuda em pesquisas ou tiver alguma contribuição ou correção para fazer, estarei a disposição, contate pelo facebook, ou e-mail rafaelhelenhard@gmail.com, não esqueça de me seguir para acompanhar as publicações.
Parabéns, Rafael! Boa iniciativa! Gostei do trabalho! Linda e significativa colocação! Conseguiste fotos nítidas...
ResponderExcluirParabéns! Bela recordação. Sou bisneto de José Diel e de Mathias Arenhart, que também estava no grupo de defesa de Santa Clara. Ouvi inúmeras vezes exatamente o mesmo relato, por parte dos meus avós, e sempre ressaltando que somente um defensor havia se ferido, com um tiro no joelho. Ótima recordação do evento!
ResponderExcluirObrigado José Sieben, isto o Capitão Nicolau Klein levou um tiro no joelho, quase no final do combate, teve a perna amputada, mas viveu vários anos.
ExcluirBelo texto. Quando ia para aula em Santa Clara, Escola São José, passava na casa do Antonio Duche, era meu padrinho, falei muito com ele sobre essa historias da eliminação dos Maragatos.
ResponderExcluir# Antonio Ruschel.
ResponderExcluirImportante história que orgulha Santa Clara do Sul. Em 1990 participei das homenagens junto ao monumento 28 de maio. O professor Ângelo Braunn fez um belo resgate, onde enalteceu os combatentes. A guerra dos maragatos (Revolução Federalista) foi muito sangrenta, sendo que os dois grupos (maragatos e chimangos) usaram de muita violência. Os combatentes dos dois grupos eram integrados por gente muito rude. Por onde passavam, devastavam, roubavam e matavam.
ResponderExcluirFelizmente os colonos de Santa Clara lhes conseguiram fazer frente.
Excelente artigo... Sou neta de Alberto Carlos Ely e ele contava sobre esta invasão e de como ele bem como outras crianças e mulheres da localidade tiveram de se esconder na matas e de quão tenso era o clima.
ResponderExcluirSou bisneto de João Weber , irei durante a semana de Maio de 2023 visitar o monumento . Minima homenagem que posso fazer ao meu ancestral corajoso !
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